VIVER DENTRO DA OBRA DE ARTE

Marcos Fayad conta a sua antiga relação com a poltrona Mole, de Sérgio Rodrigues, com a arquitetura e com os profissionais goianos da área.

Publicado em: 01/12/2014
Quando eu era mocinho meu pai construiu uma casa nova de presente pra minha mãe, dois andares, na avenida principal de Catalão, interior de Goiás. Eu já vivia no Rio de Janeiro, na Praça General Ozório, famosa por juntar em torno dela as pessoas mais interessantes daqueles anos 70 – era onde o Rio acontecia.  Meu prédio era bem em frente a uma loja que eu vivia namorando chamada Oca, criada pelo Sérgio Rodrigues, uma espécie de laboratório e vitrine de seus desenhos inovadores de móveis. Era sensacional, só que eu nem ousava sonhar que um dia pudesse comprar aquelas preciosidades para o meu apartamento de estudante.
Mas a nova casa no interior de Goiás podia abrigar o que eu mais gostava daquela loja, o móvel que mais causava estranheza nas pessoas que passavam em frente: a poltrona Mole que ficou tão famosa e hoje é ícone da arte e da arquitetura. Convenci meus pais a começarem a decoração da casa com as poltronas, mas eles não tinham a mais mínima idéia do que iriam comprar, apenas confiavam no bom gosto daquele mocinho atrevido que eles consideravam de “bom gosto” e assim que a casa ficou pronta as poltronas foram imediatamente enviadas por caminhão/transportadora e causou surpresa quando chegaram naquela cidadezinha acostumada com sofás mais que convencionais, cafonas.  Ocuparam por muitos anos o espaço mais nobre do salão da casa dos meus pais que acabaram gostando do conforto delas, mas desconfio que nunca do seu desenho.
Não importava.
Eu tinha conseguido ser, indiretamente, o feliz proprietário daquelas maravilhas que eu admirava tanto. Pra mim bastava.
Naqueles anos o Brasil estava começando a apreciar a arquitetura menos como um ramo da engenharia e mais como uma arte autônoma que fazia a diferença num ambiente doméstico.
Já conhecíamos Brasília e seus moderníssimos espaços amplos e públicos, mas incorporar a arquitetura na vida cotidiana ainda era novidade. Anos se passaram e hoje se vê através de centenas de publicações brasileiras e internacionais que a arquitetura e o designer de interiores não podem mais ser ignorados quando se quer viver bem em sua própria casa ou trabalhar com mais eficiência e qualidade no escritório. Talvez seja a arquitetura a arte que mais se incorporou ao dia a dia de pessoas especiais porque não sendo ainda arte para massas, distingue quem recorre à beleza e ao conforto pra imprimir sua marca ao ambiente em que vive e trabalha. Nem o teatro que faço como profissão chega tão longe no cotidiano das pessoas, permanece restrito aos palcos. Ontem vi a última edição do livro Anual Design na casa da amiga Karla Oliveira, designer de interiores, e fiquei encantado com a criatividade e a modernidade dos ambientes fotografados, como o da própria Karla, do meu amigo Leo Romano e tantos outros que nem dá pra citar num artigo. Tive a sensação e a certeza de que aqui em Goiás estamos na frente, na vanguarda da arte de viver bem. Admirando o livro relembrei minha infância em Catalão, garrei a pensar em como conseguíamos nos projetar naqueles ambientes pesados e sem estilo, comuns a todos, padronizados. Na verdade, não conseguíamos, apenas era aquilo e pronto, por isso o incômodo que as poltronas do Sérgio Rodrigues provocaram nos vizinhos da minha família quando as viram imponentes no salão.
Eu as namorava em Ipanema por novidadeiro que era, espírito modernista ou, sei lá, atrevimento, acho, não porque entendesse o que estava começando a acontecer com a arte da arquitetura na valorização da qualidade de vida doméstica; talvez porque elas eram uma das caras de Ipanema, o bairro mais avançado no Brasil naqueles anos.
Hoje temos faculdades de designer de interiores, gente de polimento estético que decide organizar suas idéias num currículo pensado pra isso. O resultado se pode ver em publicações como a Anual Design, puro encantamento e, de quebra, desejo de saltar pra dentro da modernidade que os ambientes vão propondo a cada virada de pagina. Se for verdade que na grande maioria das casas e apartamentos no Brasil ainda predominam os mesmos ambientes corriqueiros de décadas, também é verdade que conforme cresce a informação e a cultura do cidadão cresce proporcionalmente seu interesse pelo tema tratado aqui. A casa do homem não é apenas o lugar onde ele dorme, come, vê TV, mas uma extensão de seu ego, um reflexo da sua personalidade na projeção dos espaços, cores e objetos que o cercam – sabe-se muito  de uma pessoa pelo que a envolve, é a psicologia revelada pela arquitetura. Isto sempre foi verdade, mas hoje, com tantas novas visões ambientais, tantas diferentes opções e escolhas, sugestões de artistas para que se possa polir a extensão de ego ficou mais próximo das pessoas morarem dentro da obra de arte. É o que o livro me revela a cada página: pode-se viver em harmonia com a arte de forma intensa e ela é sua própria casa. É bonito demais.
Além do conforto a cada nova foto percebo que as casas se parecem muito com instalações criadas por artistas plásticos, coisa que nem difere muito da arquitetura e do designer de interiores, felizmente.
Pronto, paro por aqui pra não ficar chovendo-no-molhado mais do que já chovi.
Pra saber mais dê uma olhada no livro que citei. Ele fala por si mesmo.

COMENTÁRIOS

  • Marcos Fayad - 27/01/2015 10h06
    Pois é, Fernando Argollo, depois que meus pais morreram elas foram pra casa dos meus avós e mais tarde pra casa de uma tia. Parece que resistem até hoje, faz tempo que não as vejo.
  • Cacilda - 27/01/2015 02h35
    E verdade que hoje a casa tem interação com os donos! Ela tem personalidade e requinte! Costumo dizer que quem entra na minha casa aprecia os meus gostos ecléticos do moderno ao rústico, do improvisado ao projetado! Cacilda Moura Designer de interiores
  • Fernando Argollo - 26/01/2015 22h43
    História interessante! É isso mesmo, a poltrona Mole ficou mais de 1 ano na vitrine sem vender uma sequer. Causava mesmo estranheza! Ainda tem as poltronas?
  • Karla Oliveira - 15/01/2015 23h31
    Fayad, só mesmo um artista com tanta sensibilidade é capaz de perceber a arte que existe em detalhes tão importantes como o mobiliário criado por nosso mestre Sérgio Rodrigues , muito antes de se tornarem peças ícones do design brasileiro! Adoro seu trabalho e fico lisonjeada por admirar meu trabalho !! Abraços ! Karla Oliveira

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