RUDY RICCIOTTI ASSINA MUSEU NA PARADISÍACA RIVIERA FRANCESA

Polêmico nos projetos e nas palavras, o arquiteto criou um museu sobre o renomado cineasta Jean Cocteau.

Publicado em: 02/03/2015
Dirigindo pela Riviera Francesa, estrada da costa de Menton, uma impressionante visão salta aos olhos: um prédio trapezoidal rebaixado abraçando a terra como uma criatura mitológica – uma mistura de linhas onduladas e irregulares de concreto branco que brinca com a luz e com a sombra, contra um céu azul perfeito. Assinado por Rudy Ricciotti, o controverso e surreal Museu Jean Cocteau – Collection Severin Wunderman custou mais de 10 milhões de euros, e sua concepção foi inspirada no filme A Bela e a Fera, de 1946, um clássico de Cocteau.
“Eu trabalho muito com o instinto,” diz Ricciotti. “Eu quis evocar o aspecto sonhador das formas de Cocteau – o longo cabelo ondulado, os lustres, os tentáculos, mas também tentei preservar a fluidez e a transparência dos interiores.” Os amplos espaços dos dois pavimentos do edifício guardam uma enorme coleção do falecido relojoeiro americano Severin Wunderman, que inclui cerca de 1.800 trabalhos, sendo que mais 990 feitos pelo artista, escritor e diretor Cocteau.





O que é tão surpreendente neste prédio é a forma como a poesia encontra a solidez. Quando Ricciotti fala sobre transcender seu material de construção favorito, o concreto, ele não fala somente sob uma ótica da estética ou de um desafio técnico para transformar cimento em graciosas formas. “Eu trabalho com concreto por causa da sua durabilidade. Eu acredito que a arquitetura deva criar trabalhos que fixem uma memória. O concreto é limpo e permanece estável. Além disso, eu adoro trabalhar com pedreiros,” acrescenta com um sorriso.





Aos 59 anos, já com o cabelo grisalho e com gestos efusivos, Ricciotti é uma figura jovem, e é obstinadamente contra tudo o que acha banal e comum, e precisa de um pouco de encorajamento para dizer o porquê. Frequentemente intitulado pela imprensa francesa como o bad boy da arquitetura, o arquiteto é conhecido por sua originalidade, espírito provocativo e um humor malicioso. Premiado com o francês Grand Prix National d’Architecture em 2006, ele diz que se sente feliz por ter sido selecionado, porque, ao contrário do Prêmio Pritzker, este prêmio representa uma obsessão e um serviço incansável para a arquitetura em forma de trabalho. “Sem dogmas, sem doutrinas,” declara. “Você não deve se encaixar em uma tendência internacional.”



Apesar de inquestionavelmente inconvencional e encantadoramente franco, ele também recebeu os prêmios Légion d’Honneur, a Ordem das Artes e das Letras e Ordem do Mérito Nacional. Junto com Frank Gehry e Shigeru Ban, outros ícones da arquitetura mundial, faz parte do comitê editorial da prestigiada revista L’Architecture d’Aujourd’hui e ainda dirige sua própria editora, a Al Dante.
Com o Museu Cocteau completo, Ricciotti tem dois grandes outros projetos em fase de conclusão e lançamento: um no Museu Louvre, em Paris, e outro, um colossal complexo cultural em Marselha, programado para ser aberto em 2013, na data em que a cidade tornar-se-á Capital Cultural da Europa.



Em setembro, ele inaugurou o novo pavilhão subterrâneo do Louvre, devotado às artes do Islã, que abriga mais de 15 mil trabalhos. As obras serão mostradas sob um “véu” de vidro e metal que parece flutuar, cobrindo o Cour Visconti, um dos jardins internos do museu. Ricciotti assinou este projeto em parceria com Mario Bellini, e o profissional afirma que o telhado em formato de véu, dourado, conversa com o céu.
Ao ser indagado sobre suas criações, ele faz uma longa e provocativa explicação sobre como o minimalismo na arquitetura virou algo quase que pornográfico e a arte conceitual uma cilada “vazia”. “Eu não estou falando da arte minimalista americana, como Donald Judd ou Robert Ryman, que são excelentes. Mas, hoje, o minimalismo é uma covardice estética, uma amnésia preguiçosa para pessoas que sonham em ter a mesma cadeira em poliéster e plástico moldado branco.”
“Eu li muitos trabalhos de Blaise Pascal quando jovem e fui muito influenciado por ele. Eu sempre amei a dialética e as palavras mágicas. Recentemente li um artigo que dizia que Steve Jobs era o herói da futilidade – nos dando uma tecnologia que levou a celulares e games de internet – e eu tive que concordar. Meus heróis ainda são grandes escritores como Voltaire e Victor Hugo.”



Rudy Ricciotti também tem pouca paciência para assuntos políticos. “Outro dia, em uma conferência com a impressa sobre o projeto Arts of Islam, uma jornalista me perguntou, de maneira quase agressiva, o quanto eu realmente sabia sobre o islamismo para estar envolvido em um projeto como esse. Eu disse a ela que, para construir uma clínica psiquiátrica não é preciso ser um psiquiatra, que para construir um hospital não é preciso ser médico. Ela se levantou e saiu. Eu posso ser corrompido quando o assunto é comida, sexo e dinheiro, mas não cultura. Minha única arrogância é que sou intelectualmente incorruptível e sempre serei.”

Rudy Ricciotti
Nascido na Argélia em 1952, o profissional diz não se lembrar do Norte da África, uma vez que sua família mudou-se para França quando ele tinha apenas três anos. “Eu passei minha infância em Carmague – os mosquitos, o porto, os caranguejos. Mas devo ter trazido essa bagagem dos meus primeiros anos, porque muitos dos meus amigos na França são imigrantes, cidadãos franceses que moraram na Argélia colonial. É quase a mesma coisa.” Ele também sente uma forte atração por Marselha, “ uma cidade submetida à pressão e ao terror do azul cobalto do céu”, como ele a descreve, porque simboliza a mistura única de culturas da França mediterrânea.



Jean Cocteau
O poeta, escritor e cineasta francês Jean Maurice Eugene Clement Cocteau nasceu em uma pequena cidade perto de Paris, em 1889, e faleceu de ataque cardíaco ao saber, aos 74 anos, que a querida amiga Edith Piaf havia morrido. Considerado um dos artistas mais talentosos do século XX, começou a escrever aos 10 anos, e aos 16 já era um poeta publicado. Ao longo de sua carreira, firmou-se como um cineasta avant-garde, e algumas de suas características eram as cenas surreais e o rico simbolismo que utilizava em seus trabalhos. Seus filmes mais conhecidos são Les parents terribles (1948), La Belle et la Bête e (1946) e Orpheus (1949).

COMENTÁRIOS

  • Marina Garajau Fonseca - 27/02/2014 15h55
    Simplesmente Perfeito!!!!!!!!! belíssima a ousadia das ondas com o Concreto .AMEIIIIIIIIIII

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